Fagote
Aerofones da categoria dos oboés, da família das madeiras e de tipologias tenor e baixo, o fagote (o contrafagote) são instrumentos de sopro de palheta dupla batente heteroglote, fixa por tudel metálico e curvo ao corpo cónico, em ácer ou outra madeira rígida, em quatro componentes: junta tenor (ou pequeno ramo), junta baixo (ou grande ramo), culatra e campânula (ou pavilhão). A palheta larga e comprida de cana é fixa por pequeno receptáculo à extremidade inferior de um tudel em forma de gancho, por sua vez inserido na extremidade superior da junta tenor. Uma junção metálica, semicircular, na extremidade inferior da culatra, une, pela base as juntas tenor e baixo. Ao corpo do instrumento (às juntas tenor, baixo e culatra) é aplicado um complexo sistema de chaves, que possibilita a abertura e fecho de orifícios, que acusticamente calculados, são escavados a distâncias superiores àquela dos dedos e mão humana. Na campânula cónica, o tubo aumenta de diâmetro da secção inferior à secção intermédia, convergindo progressivamente até à secção superior e finalmente alargando no topo, rematado por anel que serve para protecção e decoração.
O moderno fagote resulta de um conjunto de significativos melhoramentos morfológicos a instrumentos de palheta dupla de registo grave, que haviam sido criados e proficuamente utilizados no período renascentista, procurando compensar a menor agilidade da sacabuxa (antecessor do trombone), a pouca intensidade sonora da flauta doce baixo e o manuseamento e a portabilidade da charamela (antecessor do oboé) grave. A dulçaína, o cromorne e o curtal eram construídos em único bloco de madeira, escavado verticalmente e horizontalmente (duas a nove vezes) por forma a multiplicar o comprimento do tubo; por sua vez, os (seis) orifícios eram, na sua maioria, escavados na diagonal – os superiores em diagonal ascendente; os inferiores em diagonal descendente –, um método peculiar que garantia a execução do instrumento. O instrumento tardo-seiscentista descrito por Zacconi em Prattica de Musica (1592), construído em uma só peça de madeira, continha seis orifícios e duas chaves abertas, protegidas por fontanelas. O modelo tardo-seiscentista e setecentista, construído em duas secções, denominado basson (em português, baixão), foi desenvolvido desde 1680 pela família de construtores parisienses Hotteterre, aos quais é creditada a adição de uma terceira chave, e, posteriormente, pelo construtor nuremburguês Denner. No decurso do século XVIII, o instrumento foi equipado com quarta, quinta e sexta chaves e chave de registo, montadas em protuberâncias. Ainda que Cugnier tenha comprovado, em 1780, o potencial de execução no registo agudo de um modelo de cinco chaves sem chave de registo, a adopção de tais chaves predominaria nas centúrias seguintes. (A designação corrente, fagote – do italiano fagotto, “feixe de ramos ou de lenha”, referente à construção do instrumento em várias componentes – , terá sido paulatinamente adoptada naquele período em Portugal.)
Entre as variegadas inovações morfológicas do fagote desenvolvidas no decurso do século XIX, destacam-se o aumento do diâmetro do tubo e da campânula; a adopção de chaves fechadas para o registo grave e a criação do arco em U, em metal, por Simiot de Lyons; a aplicação de rolamentos nas chaves e a substituição do corps de rechange por juntas de afinação, encetada por Savary e Adler. Fruto da cooperação com o especialista em acústica Gottfried Weber e do labor com o construtor J. A. Heckel, o intérprete-construtor Carl Almenraeder desenvolveu, entre 1817 e 1836, um instrumento de 17 chaves, com âmbito cromático de quatro oitavas, comummente conhecido como fagote Heckel ou modelo alemão, e que predomina entre os modelos de fagote correntemente utilizados. Os construtores belgas Sax desenvolveram a construção de fagotes em metal, e em 1851, Adolphe Sax patenteou um modelo em metal com 24 chaves. Ward e Tamplini, Triébert e Marzoli, Haseneier e Kruspe tomaram em conta o sistema de chaves da flauta e o estudo de dimensão de orifícios do fagote de Theobald Boehm, mas os custos de produção, a complexidade de digitação e a perda da característica sonoridade do fagote em tais modelos constringiu o seu sucesso comercial. Do esforço conjunto do professor-intérprete Jancourt e dos construtores Triébert, Gautrot e Buffet-Crampon resultou, em 1879, a produção de um instrumento com 22 chaves, que, pelas suas potencialidades, se afirmou como o predominante modelo francês (ou modelo Buffet).
Bibliografia
W. Waterhouse, “Bassoon” in S. Sadie, The New Grove Dictionary of Music and Musicians, vol.2, pp. 177-190, Macmillan, Oxford: Oxford University Press, 2001.
Patrícia Costa, O fagote em Portugal. Descrição das suas práticas na actualidade, Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Instituto Politécnico do Porto, 2012.